sábado, 3 de julho de 2010

Mas você se acostuma tanto a ver todo mundo guardando o seu pra si, que começa a fazer igual. Mas de vez em quando aparece uma ovelhinha, sabe, uma ovelhinha que não consegue dissimular que dói, que não consegue entender por que ela tem de ser má igual a todo mundo. E essa aí, esse aí que seja, não tem costelas que protejam o coração, então ele cobre com lã e cota de malha, uma defesa externa que não permite ver o brilho do próprio peito. E pra esses, meu amigo, o amor é um labirinto: milhares de pistas e nenhum céu. Eles não conseguem ler, nem conseguem confiar, e plantam armadilhas. E pra amar gente assim, brother, precisa voar por sobre tudo. Sobre tudo mesmo.
Quando Pedro voltou, estava anoitecendo. E foi como se todas as luzes da casa se acendessem ao mesmo tempo. [...] Os dias se interrompiam quando ele ia embora. Recomeçavam apenas no mesmo segundo em que tornava a chegar[...] Não sei quanto tempo durou. Só comecei a contar os dias a partir daquele dia em que ele não veio mais. Desde esse dia, perdi meu nome. Perdi o jeito de ser que tivera antes de Pedro, não encontrei outro. Eu queria que voltasse, não conseguia viver outra vez uma vida assim sem Pedro. [...] Parei de ser e de fazer qualquer outra coisa além de esperar que ele voltasse. Mas Pedro não voltou, eu não voltei. As luzes da casa nunca mais tornaram a acender com sua chegada.

terça-feira, 29 de junho de 2010


"..Mas era nos olhos, só nos olhos, que se fixava aquele mudo apelo, aquele grito. Nem sei. Aquela clara maldição. Saí, saiu. Não dissemos nada. Eu só tenho esperas. Ele traz a tranquilidade de nada mais esperar.

Um menino. Aquele ar espantado. Um pouco trêmulo. Cigarro atrás de cigarro. Tenho medo de tocá-lo. De quebrá-lo.

Eu disse: a lua está tão bonita que me dói por dentro. Ele não entendeu. É tudo tão bonito que me dói e pesa. Fico pensando que nunca mais vai se repetir, é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre.

Ele está a meu lado. Então me olha sério, por um instante abalado, depois ri e diz: desista. Positivamente o cinismo não fica bem em você. E se com essa citação só quer mostrar que já leu Sartre, eu também já li. Por que feri? Por que feriu? Por que estamos dizendo coisas que não sentimos nem queremos?

"Um menino assustado querendo mascarar o medo com a agressividade. Um menino. Curvo-me para ele. Tão esguio que meus braços o rodeariam por completo. Por um instante ele ficaria inteiro preso dentro dos meus limites."

segunda-feira, 28 de junho de 2010

E bem, e o resto?


Agora , por que é que nenhuma dessas caprichosas me fez esquecer a primeira amada do meu coração? Talvez porque nenhuma tinha os olhos de ressaca, nem os de cigana oblíqua e dissimulada. Mas não é este propriamente o resto do livro. O resto é saber se a Capitu da Praia da Glória já estava dentro da de Mata-cavalos, ou se esta foi mudada naquela por efeito de algum caso incidente. Jesus, filho de Sirach, se soubesse dos meus primeiros ciúmes, dir-me-ia, como no seu cap. IX, vers. 1: "Não tenhas ciúmes de tua mulher para que ela não se meta a enganar-te com a malícia que aprender de ti". Mas eu creio que não, e tu concordarás comigo; se te lembras bem da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.
E bem, qualquer que seja a solução, uma cousa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me... A terra lhes seja leve! Vamos à "História dos Subúrbios.

O final.

Olhos de ressaca

Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra idéia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.

CAPÍTULO XXXII
Se eu pudesse contar as lágrimas que chorei na véspera e na manhã, somaria mais que todas as vertidas desde Adão e Eva. Há nisto alguma exageração; mas é bom ser enfático, uma ou outra vez, para compensar este escrúpulo de exatidão que me aflige. Entretanto, se eu me ativer só à lembrança da sensação, não fico longe da verdade; aos quinze anos, tudo é infinito.

Dom Casmurro - Capítulo L

Algumas vezes eu fiz muito mal para pessoas que me amaram. Não é paranóia não. É verdade. Sou tão talvez neuroticamente individualista que, quando acontece de alguém parecer aos meus olhos uma ameaça a essa individualidade, fico imediatamente cheio de espinhos - e corto relacionamentos com a maior frieza, às vezes firo, sou agressivo e tal. É preciso acabar com esse medo de ser tocado lá no fundo. Ou é preciso que alguém me toque profundamente para acabar com isso.

segunda-feira, 7 de junho de 2010


Daqui a pouco vai amanhecer. Há um vago cheiro de mar solto nas ruas.
Hesito um pouco na esquina. Antes de me pôr a caminho, abro devagar e completamente os braços para depois fechá-los arredondados, tocando suavemente as pontas dos dedos de uma das mãos nas pontas dos dedos da outra. Como se faz para abraçar uma pessoa. Mas não há nada entre meus braços além do ar da manhã. Suspiro, sorrio, desfaço o abraço.
Então, com as mãos vazias, finalmente começo a navegar.

CF.
Volta, quis dizer, parado no meio da praça.
Mas agora, tantos anos depois, não saberia se teve mesmo vontade de chamar ali, ao meio-dia de uma tarde de Peixes, ou se repetiria depois baixinho, à noite, sozinho na cama, no mesmo quarto com o irmão mais velho, nessa noite ou em todas as outras depois dessa, à medida que o verão fosse indo embora e as noites todas se tornassem mais e mais frias, junho julho, agosto adentro, enrolado em cobertores, vida afora repetindo volta, Beatriz, volta que eu cuido de ti e dou um jeito qualquer de tu ficares boa e então nós podemos ir embora para a África ou Oceania ou Eurásia ou qualquer outro lugar onde tu possas ficar completamente boa do meu lado e para sempre, volta que eu te cuido e não te deixo morrer nunca. Não disse nada. Pisando lenta, olhando o sol, Beatriz foi embora para sempre dos doze anos de vida dele.

CF.

terça-feira, 1 de junho de 2010


Você poderia estar feliz, e eu sem saber, mas você não estava feliz no dia que te vi partir. E agora, todas aquelas coisas que desejei não ter dito são tocadas nos meus lábios, até o momento que se torna loucura em minha cabeça. Já é muito tarde pra te lembrar de como nos éramos, mas não nossos últimos dias de silencio, gritando, obscuros...Quase tudo de que lembro, me da certeza. Eu devia ter te parado ao passar porta afora.
Você pode ser feliz, eu espero que você seja. Você me fez mais feliz do que tinha sido até então. De algum jeito tudo que tenho cheira a você, e por um minúsculo momento é tudo mentira.
Faça as coisas que você sempre quis, sem eu ali para te segurar, não pense, apenas faça. Mais do que qualquer coisa, agora eu quero ver você partir.
Morda gloriosamente um pedaço do mundo.

Lá vem ela. Eu a espero desde a eternidade.
Seus passos tristes, doloridos, comovem os meus ouvidos renascidos.
O dia amanheceu, mas seu coração ainda jaz nas trevas. Ela vem em minha busca.
Ela procura no vazio a plenitude, procura entre os mortos EU que vivo.
Ela vem antes de todos e me ama mais que todos, eu a amo também.
Quando me olhava sem me ver, e quando me disse que carregaria meu corpo se por ventura, eu, o suposto jardineiro, o tivesse roubado.
Não resisti ao seu amor e pelo nome a chamei. Neste instante o sol despontou em seu peito. A vida ressurgiu em sua face enlutada.
Ela me viu. Eu a vi. Minha ressurreição já não era só minha. Era dela. E ressuscitada a enviei para anunciar aos anoitecidos que o Sol do Amor renasceu.

''São paulo. Cinco e três da manhã sinto a ferrugem, o telefone continua calado.
Chego em casa, tomo meu uísque e alimento mais a minha solidão.
O gosto amargo insiste em permanecer em meu corpo, que está nú e gelado com o peito ardendo, gritando por socorro prestes a cair do 14º andar. A sacada é curta, o grito é inevitável.
Eu vou acordar os vizinhos, eu vou riscar os corpos, eu vou te telefonar e dizer que eu só preciso dormir.''
Imagem: Samuel W.

''Eu aprendi a andar; por conseguinte corro. Eu aprendi a voar; portanto não quero que me empurrem para mudar de lugar.
Agora eu sou leve, agora eu vôo; agora vejo a mim mesmo por baixo de mim, agora dança em mim um Deus.''

''As almas frias, os cegos e bêbados não têm o que eu chamo de coração. Coração tem aquele que conhece o medo, más domina o medo; o que vê o abismo, mas com arrogância. O que vê o abismo, mas com olhos de águia; o que se prende ao abismo com garras de águia: este é o corajoso.''

Assim falou Zaratustra. (Nietzsche)

"Quando percebi, estava olhando para as pessoas como se soubesse alguma coisa delas que nem elas mesmas sabiam. Ou então como se as transpassasse. Eram bichos brancos e sujos. Quando as transpassava, via o que tinha sido antes delas, e o que tinha sido antes delas era uma coisa sem cor nem forma, eu podia deixar meus olhos descansarem lá porque eles não se preocupavam em dar nome ou cor ou jeito a nenhuma coisa, era um branco liso e calmo. Mas esse branco liso e calmo me assustava e, quando tentava voltar atrás, começava a ver nas pessoas o que elas não sabiam de si mesmas, e isso era ainda mais terrível. O que elas não sabiam de si era tão assustador que me sentia como se tivesse violado uma sepultura fechada havia vários séculos. A maldição cairia sobre mim: ninguém me perdoaria jamais se soubesse que eu ousara.Ninguém me perdoaria se soubesse que eu sei o que elas são, o que elas eram."

Caio F.

segunda-feira, 31 de maio de 2010


Posso te carregar comigo? - não falo de sentimento, coração, porque nessa etapa da vida apenas isso já não nos satisfaz -. Falo de corpo, de mãos e pernas entrelaçados, de suor, de desejo e poder. Carne, osso, gozo, prazer. Física apenas, tato, paladar. Não te quero assim apenas por uma noite, apenas por um momento. Stay here. Que eu faço o teu café, que eu dou o teu pão e o teu chão. Eu te sirvo, eu te mantenho. Só preciso te tocar, te ter todos os dias pra não ter que ter outro sabe, que eu não deseje como você. Quero algo constante, duradouro e vivo. Assim como o que sentimos agora juntos e entrelaçados. Quero tudo a pele, a tua pele. Ao teu gosto, entende?



''Ao navegante-mor,

É, parece que nosso barco tá mesmo furado, e furado de um jeito que nem todos os remos e remendos do mundo nos farão navegar como antes.
Me dói dizer isso, mas desisto. Desisto de ti, desisto de nós.
Sinto muito, mas minhas doses de amor já evaporaram há muito, já se esvaíram pelos poros do barco. Agora só me resta saltar para um outro, em busca de um novo litoral.

Com todo meu sentimento, T.''

Eu sou uma bailarina e cheguei aqui sozinha, não pergunte como eu vim porque já não sei de mim. Do meu circo eu fui embora, eu sei que minha família chora; não podia desistir, se um dia como um sonho ele apareceu pra mim. Tão brilhante como um lindo avião, chamuscando fogo e cinza pelo chão. De repente como um susto num arbusto logo em frente aconteceu uma explosão, afastando a minha gente. Mas eu não quis ir embora, eu não podia ir embora, como se nascesse ali um amor absoluto pelo homem que eu vi. Poderia lhe entregar meu coração, alma, vida e até minha atenção? Mas vieram as sirenes e homens falando estranho, carregaram meu presente como se ele fosse um santo. Dirigiam um carro branco e num segundo foram embora. Desse dia até agora, não sei como, não pergunte, procuro por todo canto. Astronauta diz pra mim, cadê você? Bailarina não consegue mais viver..

Tiê.

O Homem do Pijama Azul


Penso tê-lo visto uma única vez, talvez no final de 1971, quando o peso dos quase 80 anos de idade já lhe prenunciavam o triste desfecho. Eu tinha apenas sete anos – e esta é uma das minhas mais remotas lembranças de infância. Sentado na cama, completamente cego, vestido com o pijama azul, o velho João de Lira Cavalcante pôs-me a mão na cabeça, passou os dedos nos meus então vastos cabelos infantis e depois sorriu, mirando o nada. Não lembro se falou algo, se me perguntou alguma coisa, se fez algum comentário específico. Só guardei daquele momento alguns rápidos lampejos, uma memória enevoada, uma reminiscência cheia de brumas, bem típica daquela amnésia natural que caracteriza as recordações adultas a respeito dos primeiros anos de vida.

O pijama de meu avô era realmente azul ou o tingi depois mentalmente, reconstruindo a imagem de acordo com os tons suaves de minha cor favorita? Seus dedos se demoraram de fato nos meus cabelos ou apenas desejei que isso houvesse acontecido assim, forjando inconscientemente uma lembrança física posterior que confortasse o sentimento de ausência? Ao tentar reproduzir o passado vivido, terei recuperado aquele momento com as tintas involuntárias da idealização? Não tenho respostas precisas para tal. Essas armadilhas são próprias das reminiscências pessoais – sempre seletivas e construídas -, o que faz da narrativa do passado necessariamente um jogo de esconde-esconde entre a memória, o esquecimento e os mistérios da subjetividade de quem a viveu.

(Lira Neto)

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E digo no meu inglês péssimo que se a realidade nos alimenta com lixo, a mente pode nos alimentar com flores.